APRENDENDO COM AS PALAVRAS! (por José Carlos Bortoloti)

07/08/2014 16:39

#PensarNaoDoi = #ValeConhecimento

“... A palavra sábia é aquela que, dita a uma criança,

é sempre compreendida sem e necessidade de explicações....!”

 

M.de Unamuno – Escritor Espanhol –

 

 

Em tempos de “rescaldo”, em todos os sentidos da tal de “Copa das Copas”,  agora não tem jeito. Temos que pagar pacificamente e recuperarmos nossa cidadania, por completo. Por inteiro. De preferência antes das Eleições para não fazermos mais “bobagens” ainda...

Pagar?

 

O verbo latino pacare, no qual o português foi buscar ainda no século XIII seu “pagar”, tinha no idioma clássico de Cícero um sentido diferente: “pacificar”.

Tratava-se de uma das muitas palavras ligadas ao substantivo pax, “paz, tranquilidade, concórdia”, um dos frutos da raiz indo-europeia pac ou pag, que carregava a ideia de “união”.

Foi só no latim vulgar, séculos mais tarde, que pacare ganhou a expressão semântica (satisfazer, pacificar com dinheiro) que acabaria por formar o sentido moderno da palavra em nossa língua – e também o de suas primas em francês (payer) italiano (pagare), inglês (pay).

O parentesco da pacificação com o pagamento é curioso, mas faz profundo sentido. Credores e devedores jamais viverão em paz.

 

Principalmente depois de tantos “credores” de nossa “Copa das Copas”... Com muitos “devedores”.

 

Dai os brasileses “pagarem o pato” por gostarem tanto de futebol.

O humanista e historiador italiano Giovanni Francesco Poggio Bracciolini (1380-1495), além de grande pesquisador de textos latinos, era escritor. Uma de suas obras, de 1450, Facetiae (facécias, zombarias), é uma coletânea de histórias, anedotas e relatos picantes, entre eles um caso de quatro personagens: uma mulher, dois homens e um pato.

 

Lépido e fagueiro, ia pela rua um jovem camponês que vendia patos, quando foi abordado por uma mulher, com fama de leviana. Da sua janela, ela tentava negociar o preço de um pato, interessado em outra moeda: o corpo da mulher. Ele reluta (só um pouquinho), faz dengo e aceita. E lá ficam, negociando, o camponês e a mulher. Sim, porque, a cada ato consumado, o jovem camponês, com insatisfação dos jovens e a energia dos camponeses, queria mais.

Na outra ponta, a mulher, achando que o pato estava mais que bem pago, relutava em continuar. Nisso, entra em cena o último personagem: o marido. Aos brados, e ele pergunta que diabo de discussão era aquela. Indignado (a história é assim mesmo. Das duas uma: ou o homem era cego, ou estava diante de uma cena corriqueira no seu lar. Melhor a segunda hipótese, que confirma a reputação da mulher), o rapaz reclama que faltam dois vinténs para se completar o pagamento.

E o marido:

- Ora! Tão pouca coisa atrasando nosso jantar. Tome aí o dinheiro.

E pagou o pato.

 

Daí a expressão pagar o pato se popularizou e foi aparecer na literatura renascentista portuguesa, com esse sentido, de ser ludibriado, de sofrer as consequências de alguma coisa.

 

Que é exatamente o caso dos brasileses: Agora vão pagar o pato pela conta das Copas das Copas...

 

Afinal Pensar não dói... Já pagar...

 

 

 

 

Fontes:

Cascudo, Luís da Câmara. Histórias de Nossos Gestos

– São Paulo – Melhoramentos, 1976.

Faria, Ernesto, Vocabulário latino-português,

Rio de Janeiro, Garnier, 2001.

 

 José Carlos Bortoloti é jornalista, professor de Comunicação, assina o blog E Pensar Não Dói e colabora com o Caderno de Educação