AS MODERNAS DO SÉCULO PASSADO (por Anne Coello)

Mulheres que trabalham, cuidam dos filhos sozinhas e que enfrentam tabus, como um casamento inter-racial. São mulheres modernas certo? Imagina o quão modernas essas mulheres foram ao viverem esses contextos no século passado, na década de 30 e 40?
Ainda em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, a minha coluna de hoje é dedicada às minhas avós e tantas outras mulheres que foram rotuladas como submissas, mas que na verdade eram muito mais fortes e cheias de personalidade do que as mulheres da atualidade.
As duas eram filhas de imigrantes, uma de italianos, a outra de espanhóis. Viveram em São Paulo, trabalharam para sustentar e dar o melhor possível aos filhos. A italiana, muito clara e com aquele nariz característico, casou com um negro, brasileiro da família Silva.
Sabia que era seu amor e talvez tenha pressentido que não teria muitos anos com o amado. Casou em apenas seis meses e no quarto encontro, pois moravam longe. Era brava e ele calmo. Ficou viúva com apenas 10 anos de matrimônio.
A italiana que trabalhou em lavoura de algodão, foi para São Paulo para ser doméstica. Analfabeta, andava a megalópole inteira apenas com os números dos ônibus e ninguém passava ela para trás com dinheiro. Dizia: “Não sei ler, mas sei treler”. Trabalhou, cuidou das filhas e mesmo já idosa morou sozinha. Adorava laranjas e não dispensava uma caipirinha de vez em quando, bem docinha “para acalmar a alma”, dizia.
Tinha independência , mas visitava os parentes para agradar com suas mãos de ouro para as massas italianas. A polenta e o crustule eram os pratos pedidos por todos os netos. Ainda nova ficou com o cabelo muito branco, como o algodão que colhia. Nunca tingiu e morreu aos 82 anos.
A avó espanhola era paciente e doce. Ainda criança, por ser a caçula, ganhou o apelido de Nena (menina), mas assim foi chamada por toda a vida. Vó Nena foi casada por mais de 50 anos com o típico machista. O marido era marceneiro e passava dias trabalhando em outras cidades. Na época morava nos chamados cortiços na região do Ipiranga em São Paulo, e para ajudar no sustento dos filhos, costurava. Chegou a queimar os cabelos na luz da máquina por varar noites trabalhando.
Vaidosa demais, passava perfume até para “tirar retrato”, o cabelo era enrolado com bobs e não saia de casa sem o batom rosa nos lábios. Já bem velhinha, tinha os cabelos tingidos e as unhas esmaltadas pelas netas, as mesmas que receberam das suas mãos roupinhas de tricô e crochê para as bonecas.
Mesmo com um marido orgulhosamente “pão duro”, não admitia chegar na casa dos netos sem um docinho. Cutucava o marido e fazia ele comprar o desejado Chokito, além de não admitir que ninguém saísse de sua casa sem tomar uma xícara de café com leite.
O Coello que assino é uma homenagem a ela. Assim mesmo, com dois LL e sem H, como é seu nome espanhol e a tortilla, uma fritada de batatas e ovos que todos dias ela colocava na mesa e que era o prato mais pedido por todos e que nunca ninguém conseguiu fazer igual.
Essas mulheres do século passado tinham a essência familiar, sem vergonha alguma de demonstrar isso a todo momento, nem por isso deixaram de ser fortes, lutadoras e modernas.
As bisavós, avós, tias e amigas daquele tempo devem ser exaltadas, pois se olharmos bem atentamente, elas eram até muito mais modernas dos que as atuais.... quando não faltam executivas duronas, escravas da moda e da beleza, Marias chuteiras, breteiras..... e tantas outras submissões em troca de reconhecimento profissional, fama, dinheiro ou um almejado amor...
O que vale é a verdadeira essência da mulher!
Anne Coello é jornalista e escreve às segundas-feiras no Diálogos do Caderno de Educação
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