O BLÁ, BLÁ, BLÁ DA DONA ENCRENCA (por Luz Dan)

Logo no início da histórica novela de Dias Gomes, Roque Santeiro, através de Sinhozinho Malta, lendário personagem de Lima Duarte, o dramaturgo dá um recado que serve muito bem aos patrulheiros de plantão da Associação Procure Saber. Diz Sinhozinho: “tem gente que é notícia e tem gente que não é notícia”. Será que assim a Dona Encrenca (é assim que diz que está sendo chamada), leia-se Paula Lavigne, entende?
Em patético artigo publicado na Folha de S. Paulo desta quarta-feira (pag A-3, com o título “Debate? Que debate?”) a dublê de atriz, empresária e presidente da nova patrulha brasileira, o tal Procure Saber, diz que os artistas são contra a censura e que, coitadinhos, não tiveram espaço e chance de debater. E tem mais, diz também que a mídia, nós jornalistas e as editoras massacramos os pobres artistas. Deu dó. Dessa senhora, lógico.
Ela, que não é notícia, entende que é preciso ter um limite entre o público e o privado. Lavigne defende que as biografias respeitem a história, mas fujam do mercantilismo. Que tal Caetano Veloso não vender mais discos, não lutar mais por direitos autorais e fazer música por esporte? Que tal acabar o mercantilismo começando em casa, Dona Encrenca? Tenho que citar o Caetano porque o que ela faz, além de viver à sombra de um dos mitos da música brasileira?
Como ter um debate decente se estão colocando na mesa uma palavra como censura, que no dicionário dela e dos patrulheiros, chama-se “preservação de direitos”, conceito que o regime militar brasileiro sempre propagou?
No final do artigo, um muro de lamentação de uma pessoa sem o mínimo poder de argumentação, ela diz que o grupo resolveu se calar. Que coisa! Calem-se, mas não tentem calar os outros.
A sociedade brasileira, professores de altíssimo nível como os que enviaram manifesto ao Caderno de Educação pela liberdade das biografias, só se posicionou contra algo que não quer de volta: a censura e o patrulhamento ideológico.
Ou ela quer que antes de compor uma música, Caetano Veloso tenha que perguntar se as palavras vão ferir a intimidade de alguém ou Roberto Carlos explicar o que há debaixo dos caracóis dos seus cabelos?
E quando alguém compõe uma música sobre traição e cita que foi em homenagem a uma namorada. Quem protege essa mulher, chamada aos quatro cantos de adúltera, para ser educado?
E num filme baseado em fatos reais que mostra tal personagem, por exemplo, se prostituindo ou consumindo drogas. E as pessoas que viveram com esse personagem devem censurá-lo por se sentirem violadas na sua intimidade? Não há justiça para proteger quem tem seus direitos violados? E o respeito à pesquisa dos biógrafos, roteiristas e historiadores?
Parabéns à sociedade brasileira que massacrou, com argumentos, inteligência e democracia, esse patrulhamento ideológico.
Luz Dan é jornalista, escritor, assina o blog Futeboluz e escreve às quartas-feiras no "Diálogos do Caderno"
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