O IMPEACHMENT DE COLLOR E OS "CARAS-PINTADAS

18/06/2013 13:22

            As fortes manifestações contra a corrupção, gastos de dinheiro público em obras da Copa, inflação, pelos desmandos na saúde e educação, em todo o Brasil, remetem, imediatamente, ao impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Não que a causa seja parecida, mas sim pelos jovens nas ruas e a adesão aos protestos e o apoio popular.

            É claro que vivemos outro período, totalmente diferente. Em 1992 a luta era por uma causa, a queda do então presidente da República, motivada por uma série de denúncias que envolviam corrupção, tráfico de influência, loteamento de cargos públicos etc.

            Dessa vez uma série de desmandos políticos-administrativos, seja em nível municipal, estadual ou federal, fez com que a população, principalmente os estudantes, voltasse às ruas, numa atitude salutar à democracia, porém surpreendente pela organização e capacidade de mobilização.

            Nesse material, vamos explicar o que foi o período da luta pelo “impedimento” de Collor para que você reflita e faça as suas comparações sobre o momento histórico que vive o país hoje.

            A ELEIÇÃO

            Para a gente entender todo o processo de impeachment de Fernando Collor, hoje senador da República por Alagoas, vamos começar pela sua eleição.

            Em 1989 o Brasil pulsava, ansioso pelas eleições diretas para presidente, que não aconteciam há 29 anos, desde 1960 quando Jânio Quadros foi eleito. A campanha foi extremamente ideológica, com três candidatos se destacando.

            Leonel Brizola, ex-governador do Rio de Janeiro, representava os líderes políticos mais antigos, aqueles que lutaram nas ruas contra o golpe de 1964. Fora exilado político e tinha a sua base eleitoral no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul.

            Nascido das bases sindicais de São Bernardo do Campo, Luiz Inácio Lula da Silva fez uma campanha bastante escorada na TV, onde plagiava a Rede Globo com a “Rede Povo”. Ideológico, defensor da forte intervenção estatal na economia, rapidamente se estabilizou como a grande alternativa para a esquerda, juntamente com Leonel Brizola. Ambos lutaram para chegar ao segundo turno até o último minuto, numa briga entre a “velha” esquerda e a “nova” esquerda.

            Pelo espectro da direita e aproveitando como ninguém o descontentamento do povo brasileiro com a classe política, surgiu Fernando Collor de Mello, então governador de Alagoas, com o minúsculo PRN (Partido da Reconstrução Nacional) e o seu “Brasil Novo”. Ancorando-se nas cores verde e amarelo, antagonizando-as com o vermelho do PT (Partido dos Trabalhadores) de Lula, Collor assumiu a liderança da campanha logo no início e foi assim até o final.

 

            Prometia um Brasil diferente, moderno. Afirmava que caçaria todos os marajás de Brasília e logo ganhou a alcunha de “Caçador de Marajás”, a qual aproveitou positivamente.

            No segundo turno a luta ideológica aflorou de vez. A esquerda se uniu. A direita também. Com diferença de 4 milhões de votos (35x31), Fernando Collor de Mello derrotou Lula e foi eleito presidente da República.

            A ESPERANÇA

            A campanha tinha acabado, mas o marketing não. De 17 de dezembro de 1989 (2º turno da eleição)  a 15 de março de 1990, data da posse, Fernando Collor viajou ao exterior, para várias partes do país, se reuniu com chefes de Estado, personalidades importantes e montou seu governo, sempre com o mesmo estilo arrojado, tentando mostrar que o Brasil iria mudar para melhor.

            O susto e o começo da decepção com o então presidente veio logo em 16 de março, um dia após a posse, quando anunciou o chamado “Plano Collor”, com congelamento de preços, a volta do Cruzeiro como moeda oficial (até então era Cruzado Novo) e o confisco da poupança de todos os brasileiros, liberando apenas 50 mil cruzados novos. Como ele mesmo dizia, era um só tiro contra a inflação.

            Mesmo com a perplexidade de um plano tão radical, a maioria da população acabou apoiando as medidas. Houve a divulgação da liberação do dinheiro retido em parcelas e a inflação caiu. Por curto período. O tiro não fora certeiro e o dragão da inflação estava vivo.

            Daí em diante o governo mostrou total inexperiência e despreparo para a negociação com o Congresso Nacional, com os empresários e movimentos sociais. Collor surfava na sua popularidade e se isolava. Utilizava o marketing como ninguém. Eram grandes acontecimentos a descida da rampa do Planalto nas sextas-feiras. O presidente convidava personalidades, artistas. Ser convidado demonstrava prestígio para todo o Brasil. Aos domingos pela manhã Collor convidava personalidades do esporte para o seu “cooper”. A mídia repercutia e a expectativa era quem seria o convidado da semana. Puro marketing.

            Também como ação de marketing, antes de assumir o governo, Collor recusou morar no palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República. Com a desculpa de dar exemplo e conter gastos públicos, o presidente optou por morar na sua própria casa, conhecida como a “Casa da Dinda”, que se tornou a “residência oficial”

            Essa empatia de Collor com a população foi diminuindo à medida que seu governo não apresentava as mudanças tão radicais e visíveis que prometera.

            AS DENÚNCIAS

            Desde 1991 o governo Collor sofria desgastes com denúncias aqui e ali. Desvio de verbas da extinta LBA (Legião Brasileira de Assistência), então comandada pela primeira-dama, Rosane Collor, no Ministério da Saúde, com a queda do então ministro, Alceni Guerra, a saída de Zélia Cardoso de Mello do Ministério da Economia depois de um “affair” com o ministro da Justiça, Bernardo Cabral etc.

            Nada disso abalava a figura do presidente Collor, até que em 13 de maio de 1992, Pedro Collor, irmão do presidente, vira capa da revista Veja com uma entrevista bombástica em que acusava o ex-tesoureiro de campanha de Collor, o empresário alagoano Paulo César Farias, o PC Farias, de tráfico de influência, loteamento de cargos públicos e cobrança de propina dentro do governo. Tudo isso seria com a anuência do presidente Collor, segundo seu próprio irmão.

            A entrevista provocou uma confusão no meio político. Atônito, Collor não conseguia interagir com a população e ter argumentos convincentes. O golpe vindo do seio familiar praticamente deixou o presidente sem saber o tom das respostas. Acusar o irmão? Levar uma briga familiar para a esfera federal? Ficar quieto e aceitar? Acusar PC Farias e se isentar?

            Enquanto as dúvidas naturais pairavam pela cabeça de Fernando Collor, a oposição aproveitava e ganhava terreno, repercutindo a entrevista de Pedro Collor. Os outros veículos de comunicação foram atrás da apuração das denúncias e acabaram encontrando outras. O fato é que diariamente pipocavam acusações contra o governo na mídia.

            Um mês depois da bombástica entrevista, o Congresso Nacional instalou uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para apurar tudo o que estava sendo denunciado. Iniciou-se um jogo político com o Congresso.

            O presidente Collor errou ao ignorar esse jogo e o perigo que representava uma CPI. Não negociou e muito menos deixava de mostrar a personalidade autoritária de sempre. Para muitos, a arrogância de sempre.

            Tanto que na primeira quinzena de agosto foi à TV, em rede nacional, negou todas as denúncias, falou em complô, disse ser vítima de denúncias orquestradas, acusou seu irmão de não estar bem de saúde e conclamou a população a vestir as cores da bandeira nacional, a sair de verde e amarelo nas ruas, no domingo 16 de agosto de 1992. Segundo Collor, desta forma a população iria mostrar que rechaçava as denúncias e apoiava o governo.

            Bastou esse discurso para que a população reagisse. No domingo do verde e amarelo, a população vestiu preto e saiu às ruas em grandes manifestações em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Cuiabá, Brasília e em outras cidades de médio e pequeno porte. Bandeiras pretas foram colocadas nas janelas dos edifícios, carros circularam com fitinhas pretas, o Brasil repudiava o governo.

            Desse domingo em diante foram uma série de manifestações, principalmente dos estudantes, que pintavam o rosto em protesto. Ficaram conhecidos como os “caras-pintadas”.

            NOMES MARCANTES

            Durante os depoimentos para a CPI, quando pairavam dúvidas sobre a veracidade das acusações, dois depoimentos foram históricos. O primeiro da secretária particular de Collor, Ana Accioly, que confirmou o esquema PC e também deu detalhes de operações financeiras fraudulentas. No mesmo tom foi o motorista do presidente, Heriberto França, que também confirmou as denúncias. Até as contas pessoais do presidente, a reforma da Casa da Dinda, eram pagas por empresas de PC.

            Paulo César Farias abria contas fantasmas para transferência de dinheiro arrecadado com o pagamento de propina, desviado dos cofres públicos, para as contas de Ana Accioly. Isso foi confirmado pelos depoentes, para a perplexidade da nação, que assistia a maioria dos depoimentos ao vivo.

            Era comum as lojas de eletrodomésticos terem aglomerações de populares assistindo aos depoimentos nas TVs ligadas. O Brasil parava e cobrava uma posição firme dos parlamentares, concomitantemente aos protestos, cada vez maiores nas ruas.

            Em 01 de setembro, a ABI (Associação Brasileira de Imprensa), representada por Barbosa Lima Sobrinho e a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), representada por Marcello Laveniére, pediram, formalmente, protocolando no Congresso. o impeachment de Fernando Collor de Mello.

            O Congresso Nacional agiu rápido, atendendo o pulsar das ruas, já que as manifestações em praças públicas eram cada vez maiores e envolviam todos os segmentos da sociedade. Numa sessão histórica, em 29 de setembro de 1992, com o Brasil parado e manifestantes dentro e fora do Congresso, os parlamentares aprovaram o processo de impeachment e o afastamento por 180 dias do então presidente. A votação foi 441 votos a favor (eram necessários 336), 38 contrários (cada um recebendo uma sonora vaia), 23 ausências e uma abstenção.

            Em 02 de outubro, exatamente às 10h18, o presidente Collor recebeu a notificação, oficial, que fora afastado de suas funções e deixou o palácio do Planalto em direção à residência oficial, a Casa da Dinda.

            O Congresso continuou buscando depoimentos, já com a presidência da República à cargo de Itamar Franco, então vice-presidente, enquanto Fernando Collor preparava a sua defesa.

            A finalização do processo e o julgamento derradeiro aconteceria em 29 de dezembro. Ao iniciar a sessão do Congresso, foi lida uma carta na qual Collor de Mello renunciava ao mandato de presidente, numa tentativa de evitar o impeachment e a inelegibilidade por 8 anos.

            Como não estava mais no cargo, o Congresso não pôde julgar o impeachment, mas como o processo já estava aberto e concluído, os congressistas continuaram com a sessão e cassaram os direitos políticos de Fernando Collor por 8 anos. Ele não poderia concorrer a cargos públicos até 2000.

            Em 1993 o STF (Supremo Tribunal Federal) arquivou o processo contra Collor e PC, acusados de crime de corrupção passiva por 5 a 3.

            Collor manteve-se inelegível. Durante o período de inelegibilidade, teve um pedido para concorrer nas eleições de 1998 negado.

            Hoje, Fernando Collor de Mello é senador da República por Alagoas.

            Esse episódio da política brasileira ilustra bem a força do povo quando está unido por uma causa.

            Fica o exemplo.

 

            Assista a vídeos da época para você sentir a "temperatura" da cobertura jornalística naquele período.