SÍMBOLO DE UMA TRISTE ARGENTINA

O general Jorge Rafael Videla, o símbolo da ditadura argentina, o rosto que simboliza o medo, o ódio e a angústia de uma era das mais nefastas da Argentina, morreu numa cela da prisão militar do Campo de Maio, em Buenos Aires, na sexta-feira, 17 de maio, de causas naturais.
Ele tinha duas condenações de prisão perpétua e mais uma de 50 anos pelo sequestro de cerca de 500 bebês, filhos de militantes políticos e guerrilheiros, que foram entregues a famílias de militares da Argentina.
Videla chegou ao poder depois do golpe militar de 24 de março de 1976, derrubando a presidente Maria Estela Martínez de Perón e iniciando um ciclo de horrores onde os direitos humanos foram sumariamente ignorados por um regime militar repressivo e vingativo.
Segundo organizações de defesa dos direitos humanos, o regime comandado por Videla provocou o desaparecimento de cerca de 30 mil pessoas. Os perseguidos pelo regime eram sequestrados e antes de serem mortos, sofriam tortura em centros clandestinos dedicados apenas à essa ação covarde típica dos regimes ditatoriais. Os corpos das vítimas eram jogados ao mar ou enterrados em fossas comuns, sem qualquer tipo de respeito.
Aliás, respeito era uma palavra que Videla desconhecia de forma cabal. Quando indagado sobre os desaparecidos políticos, fria e cinicamente declarava: “desaparecido não tem identidade. Não está vivo ou morto. Está desaparecido”.
Para as famílias dessas pessoas, que tiveram o direito à vida negado pela sandice de um general inebriado e pelo poder, resta lamentar a morte desse militar. Com ele foram os segredos da ditadura argentina. Com ele foi boa parte da esperança de informações sobre a morte e os locais em que foram enterradas essas pessoas que, na maioria, “cometeram o pecado” de lutar por liberdade. Pelos direitos humanos. As famílias ficam sem o direito de, pelo menos, resgatar o mínimo de dignidade pela memória dos desaparecidos, seus entes queridos.
Videla respondia, ainda aos 87 anos, processo pela participação na Operação Condor. Uma ação conjunta das ditaduras da América do Sul para manter o poder, evitar a queda e acabar com aqueles que insurgiam contra os regimes ditatoriais. O Brasil, infelizmente, fez parte do que podemos chamar “consórcio político-militar do autoritarismo”.
A MORTE NA CADEIA
Com toda a propriedade de quem viveu o terrorismo da ditadura, em especial a argentina, o jornalista Clóvis Rossi, em brilhante texto na edição de 18.05.13 (sábado) na Folha de S. Paulo, disse que Jorge Rafael Videla não poderia morrer em outro lugar senão na cadeia. Rossi foi correspondente da Folha, em Buenos Aires, durante os “anos Videla”.
O cenário descrito por quem teve acesso ao ex-ditador na sua cela mostra um ex-general num local pequeno, com uma cama, mesa de luz, crucifixo, rosário, ventilador, escrivaninha e duas cadeiras. O banheiro era dividido com outro preso.
Como “quem é rei nunca perde a majestade”, uma das últimas declarações de Videla foi para conclamar argentinos a pegarem as armas e lutarem contra o governo da presidente Cristina Kirchner.
Foi no governo do presidente Nestor Kirchner (falecido marido da atual presidente argentina) que Videla foi definitivamente condenado à prisão. Havia sido em 1985, sob o governo de Raúl Afonsin, mas tinha recebido indulto na gestão do ex-presidente Carlos Menem.
A Suprema Corte da Argentina entendeu inconstitucional o indulto a Videla e, julgado de forma justa e democrática, algo que ele desconhecia e não praticava, foi condenado à prisão perpétua definitivamente em 2010. No ano passado sofreu mais uma condenação, 50 anos de prisão pelo roubo de bebês, filhos de perseguidos pelo regime.
COPA DO MUNDO
Um episódio emblemático e que chamou a atenção mundial para os crimes que aconteciam na Argentina, foi a promoção da Copa do Mundo de 1978 naquele país. Todo mundo sabe que Videla queria a conquista do mundial para tentar enganar a população e tirar o foco interno das barbaridades que cometia.
O jogo Argentina e Peru, quando o time do capitão Passarela fez 6 a 0 (eliminando o Brasil) no gol defendido pelo argentino naturalizado peruano Quiroga, é o símbolo daquela ação militar que sobrepôs o esporte. A Argentina venceu a Copa e Videla continuou seu governo.
A TRAJETÓRIA
Jorge Rafael Videla nasceu em Mercedes, na província de Buenos Aires, na Argentina, em 02 de agosto de 1925. Era filho de militar. Toda a sua formação se deu em escolas militares.
No período de 1958 a 1960 foi ministro da Defesa.
Chegou à presidência em 1976, como chefe da Junta Militar que governava aquele país.
Deixou o cargo dois anos antes do fim do regime militar. Em 29 de março de 1981 deu passe ao seu sucessor, Roberto Viola.